27 de fevereiro de 2009

desenho e psicopedagogia



O DESENHO E A APRENDIZAGEM

Terezinha Véspoli de Carvalho
Garatujas, girinos, sóis, desenhos transparentes, e cada vez mais próximos da forma que podemos chamar de real, são as representações de como a criança lê o mundo, enxerga a vida, expressa o que sente.


Desenho, primeira manifestação da escrita humana. Continua sendo a primeira forma de expressão usada pala criança.
"Garatujas", "girinos", "sóis", desenhos "transparentes", e cada vez mais próximos da forma que podemos chamar de "real", são as representações de como a criança lê o mundo, enxerga a vida, expressa o que sente.
À medida que vai sendo alfabetizada, a escola se encarrega de afastar a criança desta forma de expressão e ela, como muitos de nós, vai dizendo que "não sabe desenhar".
Trabalho há mais de quinze anos com crianças de quatro a sete anos, como professora e, mais recentemente como psicopedagoga e, muitas vezes, senti grande tristeza em ouvir professoras de crianças em idade pré - escolar dizerem: "vou dar desenho mimeografado para meus alunos porque eles não sabem desenhar".
E eu pergunto: o que é este saber?
Por que proibir a criança de se expressar graficamente da forma como ela consegue?
Como querer que a criança use símbolos gráficos estipulados pelo adulto, que são as letras, se ela não elaborar sua idéia usando símbolos que ela conhece?
Expressar - se através do desenho é colocar sua vida no papel, com toda a emoção.
Através do desenho livre, a criança desenvolve noções de espaço, tempo quantidade, seqüência, apropriando-se do próprio conhecimento, que é construído respeitando seu ritmo.
Aprende também a função social da escrita pois sua comunicação, feita através do desenho ,pode ser compreendida por outras pessoas antes que ela aprenda a usar a escrita convencional para se comunicar.
Quando a criança se sentir madura, usará com mais facilidade os símbolos gráficos com os quais já vem tendo contato nas ruas, nos ônibus, nas propagandas que ela vê todos os dias e também na escola onde os usa formalmente.
Segundo Emília Ferrero, "aprendemos a ler lendo, a escrever escrevendo", e, como afirma Jean Piaget , quando aprendemos algo novo, temos que recorrer ao que já sabemos e nós nos apropriamos do desenho como forma de representação gráfica desde a primeira vez que temos contato com lápis e papel e conseguimos coordenar os movimentos do braço e da mão segurando o lápis e riscando o papel (o que pode acontecer por volta dos 2(dois) anos ou às vezes até antes desta idade) .
Mesmo que estes desenhos não possam ser interpretados com significado pelo adulto. Mesmo que a criança mude de idéia cada vez que perguntarmos o que ela desenhou.
Gostaria de ressaltar que é por isso que não devemos escrever no desenho da criança. Além da "obra" ser dela, ela muda de idéia a cada instante, principalmente antes dos 5 ( cinco) anos de idade .Portanto, a escrita do adulto é uma "invasão" sem proveito pois quando outra pessoa for olhar o mesmo desenho ele poderá ter outro significado.
O desenho precisa e deve ser sempre valorizado pelos educadores e a importância desta valorização deve ser compreendida e compartilhada pelos pais , uma vez que toda aprendizagem tem seu valor e o desenho é uma forma de aprendizagem.
Quando a criança é valorizada naquilo que sabe, sente prazer em aprender.
As letras demoram a ter significado para ela e nós teimamos em atropelá-la.
Se ela não consegue simbolizar da forma como sabe, como conseguirá se apropriar de algo que, algumas vezes , ainda não lhe atingiu ?
É claro que a criança deve ler e escrever muito, desde quando comece a demonstrar interesse. Aliás, esse interesse pode se manifestar antes do que se espera.
Já nos primeiros estágios, na escola de educação infantil, ela começa a identificar o próprio nome e o dos colegas, e deve ter a oportunidade de escrever palavras da forma como ela acha que devem ser escritas, testando, assim, suas hipóteses, como nos mostra Emília Ferrero, através de seus estudos amplamente divulgados.
Mas, a criança requer um tempo para diferenciar o desenho da escrita, e elaborar suas hipóteses e esse tempo deve ser respeitado.
É necessário, porém, que seu "saber" seja legitimado pelo adulto, isto é, é preciso que o adulto valorize as produções da criança como um "saber" legítimo, real e, para isso, a escola deve estar integrada com os pais e a comunidade.
As pessoas que fazem parte do universo da criança e de quem ela busca respeito e aprovação devem compreender o processo pelo qual ela passa e o que os professores estão fazendo nesse sentido valorizando, também, seus progressos na forma de expressão.
Se esse progresso não for valorizado, a criança pode se retrair sentindo - se inferiorizada e incapaz.
E ninguém é incapaz, todos temos capacidades e , quando somos valorizados naquilo que sabemos, desenvolvemos cada vez mais capacidades pois nos sentimos autorizados a alçar vôos cada vez mais altos.
Mas, se formos sempre julgados pelo que não sabemos, nos sentiremos cada vez mais fracos e incompetentes, permanecendo presos ao ninho, sem ousar alçar vôo para lugar algum.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Bossa, Nadia A e Vera Barros de Oliveira( orgs.) Avaliação psicopedagógica da criança de sete a onze anos 3a edição 1997 Ed. Vozes Petrópolis
Fernandez, Alicia A inteligência aprisionada abordagem psicopedagógica clínica da criança e sua família 2a reedição 1991 Artes Médicas Porto Alegre
Ferrero, Emilia & Teberosky, Ana psicogênese da língua escrita Trad Diana Myriam Lichtenstein, Liana Di Marco e Mário Corso Supervisão da tradução: Alfredo Néstor Jerusalinsky- psicanalista 3a edição 1990 Ed. Artes Médicas, Porto Alegre.
Moreira, Ana Angélica Albano o espaço do desenho coleção espaço ed. Loyola São Paulo
Furt, Hans G. Piaget e o Conhecimento: fundamentos teóricos; trad: Valerie Runjanek, 1974 ,ed. Forense Universitária, Rio de janeiro

Brincar é tudo para a criança




Vontade de brincar
começa na barriga


chuta e deita e rola
quer logo ver o mundo

vontade de jogar
não tem onde nem quando

barquinho de papel
e sopa de letrinhas

vontade de criar
é imaginação

casinha de boneca
varinha de condão

vontade de inventar
com lápis no papel

romance de aventura
cantiga de ninar


Adalberto Muller
( poeta - professor Literatura Uni de Brasilia)

22 de fevereiro de 2009

ambiente alfabetizador

Alfabetização
Todos Podem Aprender
Nas escolas em que circulam diversos tipos de texto, como livros, jornais e revistas, os alunos lêem e escrevem mais rapidamente e se tornam capazes de buscar as informações de que necessitam

Ouvindo histórias e brincando com materiais diversos,
aprende a ler e escrever de forma lúdica

Aos poucos, a escola brasileira percebe a necessidade de se aprimorar na tarefa de alfabetizar. Cada vez mais, as redes investem na capacitação docente e muitas adotam os ciclos - que aumentam o tempo para os pequenos aprenderem a ler e escrever. Nesse mesmo sentido vai a aprovação do Ensino Fundamental de nove anos, ocorrida em fevereiro último. A medida favorecerá uma parcela da população que, por não ter acesso à Educação Infantil, estaria fora da escola e longe de um ambiente alfabetizador.

Ainda há muito o que aprimorar nessa área e a tarefa não é apenas dos professores das primeiras séries. "Estamos sempre nos alfabetizando, a cada novo tipo de texto com o qual entramos em contato durante a vida", afirma Telma Weisz, criadora do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (Profa), do Ministério da Educação (leia entrevista ao lado).

O sucesso ocorre nas escolas em que a leitura e a escrita são tratadas como conteúdo central e um meio de inserir o estudante na sociedade. "Um fator determinante para a alfabetização é a crença do professor de que o aluno pode aprender, independentemente de sua condição social", diz Antônio Augusto Gomes Batista, diretor do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da Universidade Federal de Minas Gerais. Esse olhar do professor abre as portas do mundo da escrita para os que vêm de ambientes com pouco material escrito.

Trabalho nesse sentido ocorre no município de Catas Altas (MG) - um dos três casos de sucesso baseados no construtivismo mostrados nesta reportagem. Mesmo recebendo crianças que não tiveram contato com o chamado mundo letrado antes da 1ª série, os professores conseguem alfabetizar ao final de um ano.

O município de São José dos Campos (SP) apostou na Educação Infantil. Em meio a muita brincadeira, os professores lêem diariamente para os pequenos e criam situações de que a língua escrita faz parte. Já em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, duas especialistas de Língua Portuguesa e Ciências conseguiram tornar estudantes de 5a série com problemas de alfabetização aptos a acompanhar as aulas. Lendo, pesquisando e escrevendo, os adolescentes elaboraram panfletos informativos sobre prevenção à aids - um trabalho que fazia sentido para eles e que tinha uma função social.



Essas experiências ajudam a esclarecer as principais dúvidas que surgem em sala de aula na hora de alfabetizar. Com base nelas e na opinião de especialistas, respondemos a nove questões que mostram ser possível formar leitores e escritores competentes em aulas de qualquer disciplina ou série.

Meus alunos de 1ª série não têm contato com a escrita. Por onde começo?
O pouco acesso à cultura escrita se deve às condições sociais e econômicas em que vive grande parte da população. O aluno que vê diariamente os pais folheando revistas, assinando cheques, lendo correspondências e utilizando a internet tem muito mais facilidade de aprender a língua escrita do que outro cujos pais são analfabetos ou têm pouca escolaridade. Isso ocorre porque ao observar os adultos a criança percebe que a escrita é feita com letras e incorpora alguns comportamentos como folhear livros, pegar na caneta para brincar de escrever ou mesmo contar uma história ao virar as páginas de um gibi. Cabe à escola oferecer essas práticas sociais aos estudantes que não têm acesso a elas.



O ponto de partida para democratizar o contato com a cultura escrita é tornar o ambiente alfabetizador: a sala deve ter livros, cartazes com listas, nomes e textos elaborados pelos alunos (ditados ao professor) nas paredes e recortes de jornais e revistas do interesse da garotada ao alcance de todos. Esses são alguns exemplos de como a classe pode se tornar um espaço provocador para que a criança encontre no sistema de escrita um desafio e uma diversão.

Outra medida para democratizar esses conhecimentos em sala de aula é ler diariamente para a turma. "A criança lê pelos olhos do professor - porque ainda não pode fazer isso sozinha -, mas vai se familiarizando com a linguagem escrita", explica a educadora Patrícia Diaz, da equipe pedagógica do Centro de Educação e Documentação para Ação Comunitária (Cedac), em São Paulo.

Quando posso pedir que as crianças escrevam?
Elas devem escrever sempre, mesmo quando a escrita parece apenas rabiscos. Ao pegar o lápis e imitar os adultos, elas criam um "comportamento escritor". E, ao ter contato com textos e conhecer a estrutura deles, podem começar a elaborar os seus. No primeiro momento, as crianças ditam e você, professor, escreve num papel grande. Além de pensar na forma do texto, nessa hora os estudantes percebem, por exemplo, que escrevemos da esquerda para a direita. "Mostro que a escrita requer um tempo de reflexão antes de ser colocada no papel", afirma Cleonice Maria Rodrigues Magalhães, professora de 1a série da Escola Municipal Agnes Pereira Machado, em Catas Altas (MG). Ela participou do Programa Escola que Vale, que capacitou professores de 1ª a 4ª série do município durante dois anos e meio.



Antes da escrita, as crianças devem definir quem será o leitor. Assim, quando você lê o texto coletivo, elas imaginam se ele compreenderá a mensagem. Nas primeiras produções haverá palavras repetidas, como "daí". Pelo contato diário com textos, os alunos já são capazes de revisar e corrigir erros. "Com o tempo, antes mesmo de ditar, eles evitam repetir palavras e pensam na melhor forma de contar a história", afirma Rosana Scarpel da Silva, professora do Infantil IV (6 anos), da Escola Municipal de Educação Infantil Maria Alice Pasquarelli, em São José dos Campos. Em paralelo, é importante convidar a garotada a escrever no papel. Isso dá pistas valiosas sobre seu desenvolvimento.



Entrevista
"A alfabetização nunca termina"
Doutora em psicologia pela Universidade de São Paulo, Telma Weisz criou o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (Profa), lançado em 2001 pelo Ministério da Educação. Hoje coordena um programa semelhante, o Letra e Vida, na Secretaria de Estado da Educação de São Paulo. Nesta entrevista, ela destaca que a alfabetização é um processo contínuo e fala da responsabilidade da escola para combater o analfabetismo funcional.

O que é ser alfabetizado?
Vejo a aquisição do sistema de escrita - popularmente conhecida como alfabetização e que chamamos de alfabetização inicial - como parte de um processo. Mesmo os adultos nunca dominam todos os tipos de texto e estão sempre se alfabetizando. Ser alfabetizado é mais do que fazer junções de letras, como B com A, BA.

Qual a diferença entre alfabetização e letramento?
No passado, era considerado alfabetizado quem sabia fazer barulho com a boca diante de palavras escritas. Só então estudava-se Língua Portuguesa e gramática. Para quem acredita no letramento, a criança primeiro aprende o sistema da escrita e só depois faz uso social da língua. Assim como antes, isso dissocia a aquisição do sistema das práticas sociais de leitura e escrita. Para evitar essa divisão, passamos a usar o termo cultura escrita.

Qual a importância do professor como leitor-modelo?
A leitura é uma prática e para ensinar você precisa aprender com quem faz. Porém, este é um nó: como formar leitores se você não lê bem? E como ler bem se você saiu de uma escola que não forma leitores? A solução é de longo prazo e requer programas de educação continuada que tenham um trabalho sistemático nessa área. Nas reuniões do Profa, eram dados três textos ao formador. Ele escolhia um e lia para os professores, que recebiam os três. Ao fim do ano, eles haviam lido 150 textos de vários gêneros.

Como os pais podem colaborar na alfabetização?
Lendo todos os dias para as crianças. Quem passa a primeira infância ouvindo leituras interessantes se apropria da linguagem escrita. Assim, na hora em que lê e escreve de forma autônoma, já sabe o que e como produzir. Isso também possibilita à criança entender os textos que lê.

Por que saem das escolas tantos analfabetos funcionais?
Porque a escola só reconhece como alfabetização a aquisição do sistema. Em vez de investir na competência leitora, concentra-se no ensino de gramática. Por isso há analfabetos funcionais com muitos anos de escolaridade. Formar leitores e gente capaz de escrever é uma tarefa de coordenadores, gestores e professores de todas as séries e disciplinas. Eu diria que leitura e escrita são o conteúdo central da escola e têm a função de incorporar a criança à cultura do grupo em que ela vive. Isso significa dar ao filho do analfabeto oportunidades iguais às do filho do professor universitário.



Como reverter esse quadro?
Lendo, discutindo, trocando idéias, vendo o que cada um entendeu e pesquisando em fontes diversas. É preciso tornar o texto familiar, conhecer suas características e trazer para a sala práticas de leitura do mundo real. Se a função da escola é dar instrumentos para o indivíduo exercer sua cidadania, é preciso ensinar a ler jornal, literatura, textos científicos, de história, geografia, biologia. Consegue ler bem quem teve algum tipo de oportunidade fora da escola. Os que dependem só dela são os analfabetos funcionais. E a escola faz isso porque não compreende claramente a sua função.

Como faço todos avançarem se os níveis de conhecimento são muito diferentes?
Não há nada melhor em uma turma que a heterogeneidade. Como os níveis de conhecimento são variados, existe aí uma grande riqueza para ser trabalhada em sala. Organizar os alunos em grupos e duplas durante as atividades é fundamental para que eles troquem conhecimentos. Mas essa mistura deve ser feita com critérios. É preciso agrupar crianças que estejam em fases de alfabetização próximas. Quando você coloca uma que usa muitas letras para escrever cada palavra trabalhando com outra que usa uma letra para cada sílaba, a discussão pode ser produtiva. Como elas não sabem quem está com a razão, ambas terão de ouvir o colega, pensar a respeito, reelaborar seu pensamento e argumentar. Assim, as duas aprendem. Isso não ocorre, no entanto, se os dois estiverem em níveis muito diferentes. Nesse caso, é provável que o mais adiantado perca a paciência e queira fazer o serviço pelo outro.

Posso alfabetizar minha turma de Educação Infantil?
Sim, desde que a aprendizagem não seja uma tortura. Participar de aulas que despertem a curiosidade e envolvam brincadeiras e desafios nunca será algo cansativo. Em turmas que têm acesso à cultura escrita, a alfabetização ocorre mais facilmente. Por observar os adultos, ouvir historinhas contadas pelos pais e brincar de ler e escrever, algumas crianças chegam à Educação Infantil em fases avançadas. Por isso, oferecer o acesso ao mundo escrito desde cedo é uma forma de amenizar as diferenças sociais e econômicas que abrem um abismo entre a qualidade da escolarização de crianças ricas e pobres. Dentro dessa concepção, a rede municipal de São José dos Campos implementou horas de trabalho coletivo para a formação continuada dos professores. Há um coordenador pedagógico por escola e uma equipe técnica responsável pelo acompanhamento dos coordenadores. As crianças de 3 a 6 anos atendidas pela rede aprendem, brincando, a usar socialmente a escrita.
Em sala, os professores lêem diariamente, exploram o uso de listas e promovem brincadeiras. Os pequenos identificam com seu nome pastas e materiais, usam crachás, produzem textos coletivos que ficam expostos nas paredes e têm sempre à mão livros e brinquedos. "Nossas atividades incentivam a pensar sobre a escrita, tornando-a um objeto curioso a ser explorado. E tudo de forma dinâmica, porque a dispersão é rápida", conta Clarice Medeiros, professora do Infantil III (5 anos) da escola Maria Alice Pasquarelli. "No ano passado, quando recebi os alunos de 3 anos, eles já sabiam diversos poemas e conheciam Vinicius de Moraes. Também identificavam as diferenças entre alguns gêneros textuais", lembra Liliane Donata Pereira Rothenberger, professora do Infantil II (4 anos). De acordo com a orientadora pedagógica Helena Cristina Cruz Ruiz, o objetivo é desenvolver o comportamento leitor desde cedo para que os alunos se comuniquem bem, produzam conhecimentos e acessem informações.

Faz sentido oferecer textos a estudantes não-alfabetizados?
Canções, poesias e parlendas são úteis para se chegar à incrível mágica de fazer a criança ler sem saber ler. Quando ela decora uma cantiga, pode acompanhar com o dedinho as letras que formam as estrofes. Conhecendo o que está escrito, resta descobrir como isso foi feito. Se o aluno sabe que o título é Atirei o Pau no Gato, ele tenta ler e verificar o que está escrito com base no que sabe sobre as letras e as palavras - sempre acompanhado pelo professor. O leitor eficiente só inicia a leitura depois de observar o texto, sua forma, seu portador (revista, jornal, livro etc.) e as figuras que o acompanham e imaginar o tema. Pense que você nunca viu um jornal em alemão. Mesmo sem saber decifrar as palavras, é possível "ler". Se há uma foto de dois carros batidos, por exemplo, deduz-se que a reportagem é sobre um acidente. Ao mostrar vários gêneros, você permite à criança conhecer os aspectos de cada um e as pistas que trazem sobre o conteúdo. Assim, ela é capaz de antecipar o que virá no texto, contribuindo para a qualidade da leitura.

Como seleciono e uso os textos em sala?
Segundo Patrícia Diaz, do Cedac, é preciso ter critérios e objetivos bem estabelecidos ao escolher os textos. Por exemplo: se ao tentar diversificar os gêneros você ler um por dia, os alunos não perceberão as características de cada um. "O ideal é que a turma passeie por diversos gêneros ao longo do ano, mas que o professor trace um plano de trabalho para se aprofundar em um ou dois", afirma. Patrícia sugere a narração como base para o trabalho na alfabetização inicial, pois ela permite ao aluno aprender sobre a estrutura da linguagem e do encadeamento de idéias. A escolha dos textos deve ser feita de acordo com o repertório da turma. É preciso verificar se a maioria dos alunos passou ou não pela Educação Infantil, que experiência eles têm com a escrita e que gêneros conhecem. Durante a leitura de uma revista, por exemplo, é importante chamar a atenção para títulos, legendas e fotos. Assim, as crianças aprendem sobre a forma e o conteúdo. Se o texto é sobre plantas, percebem que nomes científicos aparecem em itálico. "Por isso é fundamental trabalhar com os originais ou fotocópias".
Adaptar os textos também não é recomendável. As crianças devem ter contato com obras originais, uma vez que, ao longo da vida, serão elas que cruzarão o seu caminho. Se um texto é muito difícil para turmas de uma certa faixa etária, o melhor é procurar outro, sobre o mesmo assunto, de compreensão mais fácil.

Ao fim da 1ª série, todos devem estar alfabetizados?
Não necessariamente, apesar de ser recomendável. Se a criança foi exposta a textos e leituras variadas e teve oportunidade de refletir sobre a língua e produzir textos, é bem provável que ela termine essa série alfabetizada. Mas isso depende de outros fatores, como ter cursado a Educação Infantil e recebido apoio dos pais em casa. "Crianças que não têm esse contato com textos e que não convivem com leitores podem precisar de mais tempo para aprender o sistema de escrita. Mas minha experiência mostra que nenhuma criança leva mais de dois anos para isso", diz a educadora Telma Weisz, de São Paulo.

Como na educação não existem fôrmas em que se encaixem as crianças, é papel da escola oferecer condições para que elas se desenvolvam, sempre respeitando o ritmo de cada uma. Quando se adota o sistema de ciclos, isso ocorre naturalmente, pois os alunos têm possibilidade de se aperfeiçoar no ano seguinte. Quando não há essa chance, eles correm o risco de engrossar os índices de reprovação. O aluno pode iniciar a 2ª série ainda tendo que melhorar a sua compreensão sobre o sistema de escrita, mas ao fim do segundo ano a escola teve tempo suficiente para ensinar a todos.

Preciso ensinar o nome das letras?
Sim. Como a criança poderá falar sobre o que está estudando sem saber o nome das letras? Ter esse conhecimento ajuda a turma a explicar qual letra deve iniciar uma palavra, por exemplo. Para ensinar isso, basta citar o nome das letras durante conversas corriqueiras. Se a criança está mostrando a que quer usar e não sabe o nome, basta que você a aponte e diga qual é. Trata-se de algo que se aprende naturalmente e de forma rápida, sem precisar de atividades de decoreba que cansam e desperdiçam o seu tempo e o do aluno.

LEGENDAS:
Diversidade de gêneros , materiais como folhetos, embalagens, contas, CDs e manuais, que devem ser apresentados aos alunos

Como ajudo alunos de 5ª série que ainda não lêem nem escrevem bem?

É angustiante para o professor especialista receber crianças com problemas de alfabetização. Por não conhecer o assunto, acredita que a escrita incorreta é indício de que elas não se alfabetizaram. Mas nem sempre essa avaliação é verdadeira. O mais comum é a criança já dominar a base alfabética, mas ter sérios problemas de ortografia e interpretação. Daí a impressão de que ela não sabe ler e escrever.


"Leitura e escrita não são apenas conteúdos de Língua Portuguesa. São práticas necessárias em todas as disciplinas e em todas as séries", . "Por isso, temos a responsabilidade de conhecer o modo como os alunos aprendem e assim estimulá-los a ser leitores e escritores mais competentes", conclui Valéria

Fonte: www.mayrink.g12.br

definição-literatura/texto literário e não literário


Literatura
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
1A palavra Literatura vem do latim "litterae" que significa "letras", e possivelmente uma tradução do grego "grammatikee". Em latim, literatura significa uma instrução ou um conjunto de saberes ou habilidades de escrever e ler bem, e se relaciona com as artes da gramática, da retórica e da poética. Por extensão, se refere especificamente à arte ou ofício de escrever de forma artística. O termo Literatura também é usado como referência a um corpo ou um conjunto escolhido de textos como, por exemplo, a literatura médica, a literatura inglesa, literatura portuguesa, etc.


Literatura talvez seja encontrar um caminho para decidir o que torna um texto, em sentido lato, literário. A definição de literatura está comumente associada à idéia de estética, ou melhor, da ocorrência de algum procedimento estético. Um texto é literário, portanto, quando consegue produzir um efeito estético e quando proporciona uma sensação de prazer e emoção no receptor. A própria natureza do caráter estético, contudo, reconduz à dificuldade de elaborar alguma definição verdadeiramente estável para o texto literário. Para simplificar, pode-se exemplificar através de uma comparação por oposição. Vamos opor o texto científico ao texto artístico: o texto científico emprega as palavras sem preocupação com a beleza, o efeito emocional. No texto artístico,ao contrário, essa será a preocupação maior do artista. É óbvio que também o escritor busca instruir, e perpassar ao leitor uma determinada idéia; mas, diferentemente do texto científico, o texto literário une essa instrução à necessidade estética que toda obra de arte exige. O texto científico emprega as palavras no seu sentido dicionarizado, denotativamente, enquanto o texto artístico busca empregar as palavras com liberdade, preferindo o seu sentido conotativo, figurado. O texto literário é, portanto, aquele que pretende emocionar e que, para isso, emprega a língua com liberdade e beleza, utilizando-se, muitas vezes, do sentido metafórico das palavras.

A compreensão do fenômeno literário tende a ser marcada por alguns sentidos, alguns marcados de forma mais enfática na história da cultura ocidental, outros diluídos entre os diversos usos que o termo assume nos circuitos de cada sistema literário particular.

Assim encontramos uma concepção "clássica", surgida durante o Iluminismo (que podemos chamar de "definição moderna clássica", que organiza e estabelece as bases de periodização usadas na estruturação do cânone ocidental); uma definição "romântica" (na qual a presença de uma intenção estética do próprio autor torna-se decisiva para essa caracterização); e, finalmente, uma "concepção crítica" (na qual as definições estáveis tornam-se passíveis de confronto, e a partir da qual se buscam modelos teóricos capazes de localizar o fenômeno literário e, apenas nesse movimento, "defini-lo"). Deixar a cargo do leitor individual a definição implica uma boa dose de subjetivismo, (postura identificada com a matriz romântica do conceito de "Literatura"); a menos que se queira ir às raias do solipsismo, encontrar-se-á alguma necessidade para um diálogo quanto a esta questão. Isto pode, entretanto, levar ao extremo oposto, de considerar como literatura apenas aquilo que é entendido como tal por toda a sociedade ou por parte dela, tida como autorizada à definição. Esta posição não só sufocaria a renovação na arte literária, como também limitaria excessivamente o corpus já reconhecido.

De qualquer forma, destas três fontes (a "clássica", a "romântica" e a "crítica") surgem conceitos de literatura, cuja pluralidade não impede de prosseguir a classificações de gênero e exposição de autores e obras.

Poesia
Provavelmente a mais antiga das formas literárias, a poesia consiste no arranjo harmônico das palavras. Geralmente, um poema organiza-se em versos, caracterizados pela escolha precisa das palavras em função de seus valores semânticos (denotativos e, especialmente, conotativos) e sonoros. É possível a ocorrência da rima, bem como a construção em formas determinadas como o soneto e o haikai. Segundo características formais e temáticas, classificam-se diversos gêneros poéticos adotados pelos poetas:


Peças de Teatro
O teatro, forma literária clássica, composta basicamente de falas de um ou mais personagens, individuais (atores e atrizes) ou coletivos (coros), destina-se primariamente a ser encenada e não apenas lida. Até um passado relativamente recente, não se escrevia a não ser em verso. Na tradição ocidental, as origens do teatro datam dos gregos, que desenvolveram os primeiros gêneros: a tragédia e a comédia.

Mudanças vieram: novos gêneros, como a ópera, que combinou esta forma com (pelo menos) a música; inovações textuais, como as peças em prosa; e novas finalidades, como os roteiros para o cinema.

A imensa maioria das peças de teatro está baseada na dramatização, ou seja, na representação de narrativas de ficção por atores encarnando personagens.

Elas podem ser:

Tragédia
Drama
Comédia
Ópera

Ficção em Prosa
A literatura de ficção em prosa, cuja definição mais crua é o texto "corrido", sem versificação, bem como suas formas, são de aparição relativamente recente. Pode-se considerar que o romance, por exemplo, surge no início do século XVII com Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes Saavedra.

Subdivisões, aqui, dão-se em geral pelo tamanho e, de certa forma, pela complexidade do texto. Entre o conto, "curto", e o romance, "longo", situa-se por vezes a novela.


Gêneros LiteráriosA linguagem é o veículo utilizado para se escrever uma obra literária. Escrever obras literárias é trabalhar com a linguagem. Os Gêneros Literários são as várias formas de trabalhar a linguagem, de registrar a história, e fazer com que a essa linguagem seja um instrumento de conexão entre os diversos contextos literários que estão dispersos ao redor do mundo.

Relacionando o texto literário ao não-literário, devemos considerar que o texto literário tem uma dimensão estética, plurissignificativa e de intenso dinamismo, que possibilita a criação de novas relações de sentido, com predomínio da função poética da linguagem. É, portanto, um espaço relevante de reflexão sobre a realidade, envolvendo um processo de recriação lúdica dessa realidade. No texto não-literário, as relações são mais restritas, tendo em vista a necessidade de uma informação mais objetiva e direta no processo de documentação da realidade, com predomínio da função referencial da linguagem, e na interação entre os indivíduos, com predomínio de outras funções.

A produção de um texto literário implica:
· a valorização da forma
· a reflexão sobre o real
· a reconstrução da linguagem
· a plurissignificação
· a intangibilidade da organização lingüística

2.1 valorização da forma

O uso literário da língua caracteriza-se por um cuidado especial com a forma, visando a exploração de recursos que o sistema lingüístico oferece, nos planos fônico, prosódico, léxico, morfo-sintático e semântico.

Não é o tema, mas sim a maneira como ele é explorado formalmente que vai caracterizar um texto como literário. Assim, não há temas específicos de textos literários, nem temas inadequados a esse tipo de texto.

Os dois textos que seguem têm o mesmo tema - o açúcar: no primeiro, a função poética é predominante. É uma das razões para ser considerado um texto literário. Já no segundo, puramente informativo, há o predomínio da função referencial.

"O açúcar" (Ferreira Gullar. Toda poesia. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1980, pp.227-228)

O açúcar

O branco açúcar que adoçará meu café
nesta manhã de Ipanema
não foi produzido por mim
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

Vejo-o puro
e afável ao paladar
como beijo de moça, água
na pele, flor
que se dissolve na boca. Mas este açúcar
não foi feito por mim.

Este açúcar veio
da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira, dono da mercearia.
Este açúcar veio
de uma usina de açúcar em Pernambuco
ou no Estado do Rio
e tampouco o fez o dono da usina.

Este açúcar era cana
e veio dos canaviais extensos
que não nascem por acaso
no regaço do vale.

Em lugares distantes, onde não há hospital
nem escola,
homens que não sabem ler e morrem de fome
aos 27 anos
plantaram e colheram a cana
que viraria açúcar.

Em usinas escuras,
homens de vida amarga
e dura
produziram este açúcar
branco e puro
com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.
"A cana-de-açúcar" (Vesentini, J.W. Brasil, sociedade e espaço. São Paulo, Ática, 1992, p.106)

A cana-de-açúcar

Originária da Ásia, a cana-de-açúcar foi introduzida no Brasil pelos colonizadores portugueses no século XVI. A região que durante séculos foi a grande produtora de cana-de-açúcar no Brasil é a Zona da Mata nordestina, onde os férteis solos de massapé, lém da menor distância em relação ao mercado europeu, propiciaram condições favoráveis a esse cultivo. Atualmente, o maior produtor nacional de cana-de-açúcar é São Paulo, seguido de Pernambuco, Alagoas, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Além de produzir o açúcar, que em parte é exportado e em parte abastece o mercado interno, a cana serve também para a produção de álcool, importante nos dias atuais como fonte de energia e de bebidas. A imensa expansão dos canaviais no Brasil, especialmente em São Paulo, está ligada ao uso do álcool como combustível.

Comentários sobre os textos: "O açúcar" e "A cana-de-açúcar"

O texto "O açúcar" parte de uma palavra do domínio comum - açúcar - e vai ampliando seu potencial significativo, explorando recursos formais para estabelecer um paralelo entre o açúcar - branco, doce, puro - e a vida do trabalhador que o produz - dura, amarga, triste.

a) associações lexicais entre vocábulos do mesmo campo semântico:

açúcar açucareiro adoçar
dissolver usina
cana
canavial
plantar
colher mercearia
comprar
vender

b) relações antitéticas: vida amarga e dura x açúcar branco e puro

c) comparações: a comparação é o confronto de idéias por meio de conectivos, de palavras que explicitam o que está sendo comparado. Na comparação, um termo se define em função do que sabemos de outro:

"Vejo-o [o açúcar] puro e afável como beijo de moça

(como) água na pele

(como) flor que se dissolve na boca

No texto "A cana-de-açúcar", de expressão não-literária, o autor informa o leitor sobre a origem da cana-de-açúcar, os lugares onde é produzida, como teve início seu cultivo no Brasil, etc.

Para caracterizar ou explicitar a diferença entre função informativa e função artístico-literária da linguagem, através do confronto entre um determinado dado da realidade e o mesmo dado, reaproveitado em uma obra artística, podem ser comparadas as seguintes situações:
a) o barulho de buzinas na rua e uma música que use esse mesmo som;
b) o som de vozes de crianças brincando e a música Domingo no Parque (Gilberto Gil);
c) o som de uma cavalgada e a música Disparada ( Geraldo Vandré );
d) uma foto de jornal - uma foto dos sem-terra e um quadro - Os retirantes, de Portinari - com o mesmo tema da foto;
e) várias cenas do cotidiano e uma colagem de Glauco Rodrigues;
f) imagens de pessoas se movimentando e uma escultura representando pessoas;
g) uma pequena crítica sobre a passagem de uma escola de samba e a música Foi um rio que passou em minha vida ( Paulinho da Viola).

2.2 reflexão sobre o real

Em lugar de apenas informar sobre o real, ou de produzi-lo, a expressão literária é utilizada principalmente como um meio de refletir e recriar a realidade, reordenando-a. Isso dá ao texto literário um caráter ficcional, ou seja, o texto literário interpreta aspectos da realidade efetiva, de maneira indireta, recriando o real num plano imaginário.

Refletindo a experiência cultural de um povo, o texto literário contribui para a definição e para o fortalecimento da identidade nacional. Por isso, num país como o Brasil, onde as características culturais precisam ainda ser revitalizadas e valorizadas, as artes desempenham um papel muito importante.

A título de exemplo, citamos Platão e Fiorin (1991), que dizem: "Graciliano Ramos, em VIDAS SECAS, inventou um certo Fabiano e uma certa Sinhá Vitória para revelar uma verdade sobre tantos fabianos e sinhás vitórias, despossuídos de quase todos os bens materiais e culturais, e por isso degradados ao nível da animalidade."

2.3 recriação da linguagem (desautomatização) No texto literário, relacionada ao processo de recriação do real, ocorre a desautomatização da linguagem. Assim, pela reinvenção dos procedimentos lingüísticos normalmente utilizados no cotidiano, a expressão literária desconstrói hábitos de linguagem, baseando sua recriação no aproveitamento de novas formas de dizer. O uso estético da linguagem pressupõe criar novas relações entre as palavras, combinando-as de maneira inusitada, singular, revelando assim novas formas de ver o mundo.

Apresentamos, a seguir, três textos que exemplificam esse processo: os dois primeiros, que tratam do mesmo tema, são comparados em relação aos recursos lingüísticos utilizados, o que os caracteriza como literário e não-literário, respectivamente.

Texto 7 - "A queimada" (Fragmento. Graça Aranha. Canaã, Rio de Janeiro,F.Briguiet, pp.111-113)

Texto 8 - "Incêndio destrói prédio de 4 andares no Centro" (Jornal do Brasil, 19/02/97)

Texto 9 - "Carnaval" (Graça Aranha, A viagem maravilhosa. Apud William Cereja e Thereza Magalhães. Português: linguagens. São Paulo, Atual, 1990, p.178)

Texto 7 A queimada

Num alvoroço de alegria, os homens viam amarelecer a folhagem que era a carne e fender-se os troncos firmes, eretos, que eram a ossatura do monstro. Mas o fogo avançava sobre eles, interrompendo-lhes o prazer. Surpresos, atônitos, repararam que a devastação tétrica lhes ameaçava a vida e era invencível pelo mato adentro, quase pelas terras alheias. (...) O aceiro foi sendo aberto até que o fogo se aproximou; a coluna, como um ser animado, avançava solene, sôfrega por saciar o apetite. Sobre a terra queimada na superfície, aquecida até o seio, continuava a queda dos galhos. O fogo não tardou a penetrar num pequeno taquaral. Ouviam-se sucessivas e medonhas descargas de um tiroteio, quando a taboca estalava nas chamas. O fumo crescia e subia no ar rubro, incendiado, os estampidos redobravam, as labaredas esguichavam, enquanto a fogueira circundava num abraço a moita de bambus.

(Fragmento. Graça Aranha. Canaã, Rio de Janeiro,F.Briguiet, pp.111-113)

Texto 8
Incêndio destrói prédio de 4 andares no Centro

Um incêndio, possivelmente provocado por um curto-circuito, destruiu no início da madrugada de ontem um prédio de quatro andares na Rua Teófilo Otoni, 38, no Centro. O fogo começou no primeiro andar, onde funcionava uma empresa especializada na venda e fabricação de componentes eletrônicos, a Mec Central. O prédio era de construção antiga e estava em obras; como havia grande quantidade de madeira estocada, a propagação do fogo foi rápida. A ação dos bombeiros evitou que prédios vizinhos fossem atingidos pelas chamas. Não houve feridos.
(Jornal do Brasil, 19/02/97)

Comentários sobre os textos 7 e 8 : "A Queimada" e "Incêndio destrói prédio de 4 andares no Centro"

Reconhecemos o texto 7, "A Queimada", como um texto literário, por apresentar inúmeros recursos expressivos: metáforas (folhagem/carne; troncos/ossos; o ar rubro) e comparações (a coluna, como um ser animado, avançava solene). O autor fala da queimada como se ela fosse um ser vivo, atribuindo-lhe características próprias de seres animados, como solene, sôfrega, cheia de apetite. Neste texto, o plano do conteúdo, a descrição de uma queimada, é recriado no plano da expressão.

No texto 8, "Incêndio destrói prédio de 4 andares no Centro", o leitor passa pelo plano da expressão e vai direto ao conteúdo para entender, informar-se. Trata-se, por isto, de um texto não-literário, cuja finalidade é documentar, transmitir notícias. A linguagem deste texto é denotativa, não apresenta nenhuma combinação nova ou inusitada de palavras; seu conteúdo pode ser resumido sem prejuízo da informação que ele contém.

Texto 7 Texto 8
"a coluna avançava solene e sôfrega"
"o incêndio começou no primeiro andar"
"a propagação foi rápida"

adjetivação metafórica:
troncos firmes e eretos
descargas medonhas
ar rubro
ausência de adjetivação: o incêndio,
o fogo,
o prédio,
propagação do fogo,
a ação dos bombeiros.
Texto 9

Carnaval

Maravilha do ruído, encantamento do barulho. Zé Pereira, bumba, bumba. Falsetes azucrinam, zombeteiam. Viola chora e espinoteia. Melopéia negra, melosa, feiticeira, candomblé. Tudo é instrumento, flautas, violões, reco-recos, saxofones, pandeiros, liras, gaitas e trombetas. Instrumentos sem nome inventados subitamente no delírio da improvisação, do ímpeto musical. Tudo é encanto. Os sons se sacodem, berram, lutam, arrebentam no ar sonoro dos ventos, vaias, klaxons, aços estrepitosos. Dentro dos sons movem-se cores, vivas , ardentes, pulando, dançando, desfilando sob o verde das árvores, em face do azul da baía no mundo dourado. Dentro dos sons e das cores, movem-se os cheiros, cheiro de negro, cheiro mulato, cheiro branco, cheiro de todos os matizes, de todas as excitações e de todas as náuseas. Dentro dos cheiros, o movimento dos tatos violentos, brutais, suaves, lúbricos, meigos, alucinantes. Tatos, sons, cores, cheiros se fundem em gostos de gengibre, de mendubim, de castanhas, de bananas, de laranja, de bocas e de mucosa. Libertação dos sentidos envolventes das massas frenéticas, que maxixam, gritam, tresandam, deslumbram, saboreiam, de Madureira à Gávea, na unidade do prazer desencadeado. (Graça Aranha, A viagem maravilhosa.
Apud William Cereja e Thereza Magalhães. Português: linguagens. São Paulo, Atual, p.178)

Comentários sobre o texto 9 - "Carnaval"

Neste texto, os cinco sentidos são explorados de maneira simbólica e inusitada: sons, cores, cheiros, tatos e gostos vão se sucedendo para descrever o carnaval, seu ambiente, a mistura de raças, o contato físico entre as pessoas, a euforia da festa.

Em primeiro lugar, ruídos e sons de diversos instrumentos enchem o ar. Acompanhando esses sons, as cores da natureza e das fantasias se movem, desfilam. Ao ritmo dos sons e cores, movem-se as pessoas das diversas raças, misturando seus cheiros, variados e inebriantes, tocando-se das mais diversas formas: pela luta, pelo carinho, pela sexualidade. Esse contato íntimo conduz a uma fusão de bocas e gostos.

Tudo isto é o carnaval - "libertação dos sentidos", proporcionando um "prazer desencadeado". O autor, observador atento de uma cena, expressa seu modo de ver o mundo, suas preferências, seu estado emocional. Ele não descreve o que vê, mas o que pensa ver, o que sente, combinando as palavras de forma inesperada, revelando novas imagens decorrentes dessas combinações.

Sons:
· viola chora e espinoteia
· os sons se sacodem, berram, lutam, arrebentam no ar sonoro ...
Cores:
· movem-se cores, vivas, ardentes, pulando, dançando, desfilando ...
Cheiros:
· movem-se os cheiros, cheiro de negro, cheiro mulato, cheiro branco,
cheiro de todos os matizes, de todas as excitações e de todas as náuseas.
Tato:
· o movimento dos tatos violentos, brutais, suaves, lúbricos, meigos, alucinantes.
Gosto:
· gostos de gengibre, de mendubim, de castanhas, de bananas, de laranja,
de bocas e de mucosa.

2.4 Plurissignificação O trabalho de recriação que se efetiva na construção do texto literário é uma atividade lúdica, uma brincadeira com a linguagem. Por isso, o texto literário provoca um prazer estético em seu fruidor, como acontece nas outras manifestações artísticas. Enquanto atividade de recriação, a expressão literária se caracteriza pela conotação , criando novos significados, ao passo que a expressão não-literária se reconhece pelo seu caráter denotativo . No texto literário, faz-se igualmente um amplo uso de metáforas e metonímias, com o objetivo de despertar no leitor o prazer estético. Isto é o que define seu caráter plurissignificativo.

Texto 10 - "Acrobatismo" (Cassiano Ricardo) Acrobatismo


Parou o vento. Todas as árvores
quiseram ver o salto original.
Então
quedaram-se todas
com os seus anéis azuis de orvalho
e os seus colares de ouro teatral,
prestando muita atenção.

Foi como se um silêncio fofo de veludo
Começasse a passear seus pés de lã por tudo.
Nisto uma folha sai, muito viva, de uma rama,
e vai cair sem o menor rumor
sobre o tapete da grama.

É um louva-a-deus lépido e longo
que se jogou de um trapézio
como um pequeno palhaço verde
e lá se foi a rodopiar
às cambalhotas
no ar.

Comentários sobre o texto 10 - "Acrobatismo"

Neste poema, há um amplo uso de metáforas, isto é, uso de palavras fora do seu sentido normal. Segundo Mattoso Câmara Jr. (1978), a metáfora "consiste na transferência de um termo para um âmbito de significação que não é o seu". Fundamenta-se "numa relação toda subjetiva, criada no trabalho mental de apreensão."

Assim, por exemplo, entre a folha e o louva-a-deus traços comuns como a leveza de movimento, a cor, permitem que se estabeleça entre eles uma relação, a partir da qual se cria uma metáfora. O mesmo acontece entre o trapézio e o galho de onde o inseto se jogou no ar (um traço comum entre eles é, por exemplo, a forma); entre o palhaço verde e o louva-a-deus (traços comuns: a cor, a acrobacia de um e outro); entre o tapete de grama e o chão recoberto de vegetação (têm em comum a cor, a maciez).

Mais informações sobre os conceitos de conotação e de denotação são apresentados no item 1 do índice.

2.5 intangibilidade da organização lingüística

Uma das características do texto literário é a sua intangibilidade, sua intocabilidade. As palavras que foram utilizadas e a maneira escolhida pelo autor para combiná-las são próprias de cada texto, e não devemos alterá-las sob o risco de mutilar ou comprometer a intenção do autor. Não podemos, portanto, num texto literário, mudar a posição em que as palavras foram colocadas, suprimir ou acrescentar vocábulos, substituir vocábulos por sinônimos, resumir as idéias. A esse respeito, o poeta francês Paul Valéry diz que, quando se resume um texto não-literário, apreende-se o essencial; quando se resume um texto literário, perde-se o essencial.

Podemos, por exemplo, perguntar a diversas pessoas o que pensam sobre o tema da separação amorosa. Poderão surgir, a partir de suas respostas, textos líricos, poéticos e textos não-literários. No Soneto da Separação, Vinícius de Moraes revela a sua maneira peculiar de tratar esse tema. Pelo trabalho com a linguagem, pelo uso de recursos poéticos, seu soneto é um texto literário.

Texto 11 Soneto da Separação


De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mão espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Apresentamos, a seguir, um poema de Ferreira Gullar (texto 12) , a partir do qual são feitos comentários que evidenciam algumas características da expressão literária apontadas no embasamento teórico.

Texto 12
Meu povo, meu poema


Meu povo e meu poema crescem juntos
como cresce no fruto
a ávore nova

No povo meu poema vai nascendo
como no canavial
nasce verde o açúcar

No povo meu poema está maduro
como o sol
na garganta do futuro

Meu povo em meu poema
se reflete
como a espiga se funde em terra fértil

Ao povo seu poema aqui devolvo
menos como quem canta
do que planta
Comentários sobre o texto 12
Quanto à relevância do plano da expressão/ desautomatização da linguagem, podemos observar:
a) a escolha de palavras que compõem as comparações do poema: o poema nasce como o açúcar, o povo e o poema crescem como a árvore nova. Estas comparações levam às metáforas: povo/terra onde brota poema/árvore.
b) o jogo entre as repetições de estruturas e a quebra dessas repetições : "Meu povo e meu poema" , "no povo meu poema", "Ao povo seu poema."
c) a rima na última estrofe: canta/planta reforça as metáforas básicas do poema: povo/terra, poema/árvore.
d) a personificação : "Como o sol na garganta do futuro."

Dois planos foram explorados -- o do real e o da recriação da realidade:

Real -> o campo da agricultura: plantar, crescer, terra fértil.

Recriação -> o poeta associa a germinação e a fertilidade à palavra poética; o poeta é comparado a um plantador; o poema é o fruto que ele produz (metáfora).

Um outro exemplo interessante para mostrar a desautomatização da linguagem encontramos no poema Som, de Carlos Drummond de Andrade (texto 15), em que o autor, ao invés de usar a expressão hoje em dia, já cristalizada na língua, cria a expressão hoje-em-noite.

2.6 recursos fônicos característicos da literariedade O escritor de um texto literário, ao explorar conteúdos, procura recriar a linguagem, e, para essa recriação, utiliza recursos variados. São alguns deles:

· ritmos
· sonoridades
· rimas e aliterações

a) Ritmo - evidencia-se pela alternância de sílabas que apresentam maior ou menor intensidade em sua enunciação.

Texto 13 Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!

(Casimiro de Abreu)

Textos literários em prosa também podem apresentar efeitos sonoros e rítmicos. Como exemplo, transcrevemos um trecho do romance "Gabriela, cravo e canela", de Jorge Amado (texto 14)

Texto 14

"Gabriela ia andando, aquela canção ela cantara em menina. Parou a escutar, a ver a roda rodar. Antes da morte do pai e da mãe, antes de ir para a casa dos tios. Que beleza os pés pequeninos no chão a dançar! Seus pés reclamavam, queriam dançar. Resistir não podia, brinquedo de roda adorava brincar. Arrancou os sapatos, largou na calçada, correu pros meninos. De um lado Tuísca, de outro lado Rosinha. Rodando na praça, a cantar e a dançar." (Gabriela, cravo e canela, de Jorge Amado)

Este texto, em forma de prosa, apresenta um ritmo e uma sonoridade que nos fazem lembrar os textos em verso. Existem nele:
· rimas (escutar, rodar, dançar, brincar);
· inversões que contribuem para o ritmo e a rima (os pés pequeninos no chão a dançar, brinquedo de roda adorava brincar);
· frases curtas com um número aproximado de sílabas:

seus pés reclamavam
queriam dançar
resistir não podia
brinquedo de roda
adorava brincar

de um lado Tuísca
de outro lado Rosinha
rodando na praça
a cantar e a dançar
Seja em prosa, seja em verso, o texto poético contribui para o enriquecimento da linguagem, explorando a sonoridade e o ritmo das palavras e atribuindo-lhes novos sentidos, mesmo quando essas palavras são as do dia-a-dia.
b) Sonoridade - por meio da sonoridade de um texto, é possível prolongar, evidenciar ou transformar o sentido que o léxico e a sintaxe dão às palavras e às frases.

Texto 15
Som

Nem soneto nem sonata
vou curtir um som
dissonante dos sonidos
som
ressonante de sibildos
som
sonotinto de sonalhas
nem sonoro nem sonouro
vou curtir um som
mui sonso, mui insolúvel
som não sonoterápico
bem insondável, som
de raspante derrapante
rouco reco ronco rato
som superenrolado
com se sona hoje-em-noite
vou curtir, vou curtir um som
ausente de qualquer música
e rico de curtição
(Carlos Drummond de Andrade.
Poesia e prosa.
Rio de Janeiro, Aguillar, 1979, p.784)


Neste poema, aproveitando as associações de significantes, o poeta faz a palavra som ecoar o tempo todo, sob a forma de palavras derivadas de som, ou de vocábulos que apresentam a seqüência fônica s o n, sem relação semântica com a palavra som. Observe:

soneto sonouro
sonata sonoro
dissonante sonso
sonidos insolúvel
ressonante sonoterápico
sontinto insondável
sonalhas sona
Há também uma seqüência onomatopaica, reproduzindo o ruído estridente da música moderna:

ressonante reco
derrapante ronco
raspante rato
rouco superenrolado

c) Rimas e aliterações - fonemas que se repetem com uma freqüência maior que a esperada podem contribuir para a harmonia do poema; muitas vezes essa repetição serve para reproduzir o ruído daquilo de que fala o poema, como nestes versos de Murilo Araújo, em que a insistência do [i] sugere o barulho provocado pelos grilos.

Texto 16
O trilo dos grilos, tímido,
de aço fino,
esgrime, com o raiozinho dos astros, límpido,
argentino.
No poema de Cruz e Souza, a repetição do fonema [v] contribui para o efeito sonoro dos versos e evidencia, mais uma vez, o uso poético da linguagem.

Texto 17
Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.
Nesta estrofe do soneto de Alphonsus de Guimaraens, Hão de chorar por ela os cinamomos, a repetição de vogais nasais e fechadas contribui para reforçar o conteúdo triste e sombrio.
Texto 18
Hão de chorar por ela os cinamomos,
Murchando as flores ao tombar do dia.
Dos laranjais hão de cair os pomos,
Lembrando-se daquela que os colhia.
Rima é a conformidade ou identidade de fonemas, que ocorre geralmente no final de dois versos diferentes, podendo aparecer também entre vocábulos no interior dos versos. Existem muitas possibilidades de disposição das rimas nas estrofes do poema. As mais freqüentes são as emparelhadas, as alternadas, as opostas, as encadeadas, as misturadas.

Além disso, as rimas podem ser classificadas em função da sua riqueza, que é definida pelo maior ou menor número de fonemas associados, pelas classes das palavras que rimam pela raridade das terminações. Neste sentido, as rimas podem ser perfeitas, imperfeitas, pobres, ricas, preciosas.

O texto abaixo exemplifica rimas emparelhadas, porque se sucedem duas a duas, e ricas, pois as palavras que rimam pertencem a diferentes classes gramaticais (retalha/toalha: verbo e substantivo; multicores/amores: adjetivo e substantivo; secreta/poeta: adjetivo e substantivo)

Texto 19
Queixas do poeta

No rio caudaloso que a solidão retalha,
na funda correnteza na límpida toalha,
deslizam mansamente as garças alvejantes;
nos trêmulos cipós de orvalho gotejantes
embalam-se avezinhas de penas multicores
pejando a mata virgem de cânticos de amores;
mais presa de uma dor tantálica e secreta
de dia em dia murcha o louro do poeta! ...
(Fagundes Varela)
A literatura é o veículo, por excelência, da linguagem em sua função poética, mas não é o único; podemos perceber também na publicidade, nas brincadeiras infantis, nos jogos de palavras, nos trocadilhos a presença da linguagem poética.


Fonte:acd.ufrj.br

5 de fevereiro de 2009

Conhecendo um pouco deste grande pensador

Platão
Para o primeiro pedagogo educaçao era questao politica. O filósofo grego previu um sistema de ensino que mobilizava toda a sociedade para formar sábios e encontrar a virtude
Na história das idéias, o grego Platão (427-347 a.C.) foi o primeiro pedagogo, não só por ter concebido um sistema educacional para o seu tempo, mas, principalmente, por tê-lo integrado a uma dimensão ética e política. O objetivo final da educação, para o filósofo, era a formação do homem moral, vivendo em um Estado justo.

Platão foi o segundo da tríade dos grandes filósofos clássicos, sucedendo Sócrates (c. 470-399 a.C.) e precedendo Aristóteles (384-332 a.C.), que foi seu discípulo. Como Sócrates, Platão rejeitava a educação que se praticava na Grécia em sua época e que estava a cargo dos sofistas, incumbidos de transmitir conhecimentos técnicos, sobretudo a oratória, aos jovens da elite para torná-los aptos a ocupar as funções públicas. "Os sofistas afirmavam que podiam defender igualmente teses contrárias, dependendo dos interesses em jogo", diz Sérgio Augusto Sardi, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. "Platão, ao contrário, pensava em termos de uma busca continuada da virtude, da justiça e da verdade."

Para Platão, "toda virtude é conhecimento". Ao homem virtuoso, segundo ele, é dado conhecer o bem e o belo. A busca da virtude deve prosseguir pela vida inteira — portanto, a educação não pode se restringir aos anos de juventude. Educar é tão importante para uma ordem política baseada na justiça — como Platão preconizava — que deveria ser tarefa de toda a sociedade.

Escola ideal seria pública e para todos
Baseado na idéia de que os cidadãos que têm o espírito cultivado fortalecem o Estado e que os melhores entre eles serão os governantes, o filósofo defendia que toda educação era de responsabilidade estatal — um princípio que só se difundiria no Ocidente muitos séculos depois. Igualmente avançada, quase visionária, era a defesa da mesma instrução para meninos e meninas e do acesso universal à educação.

Contudo, Platão era um opositor da democracia — há até estudiosos que o consideram um dos primeiros idealizadores do totalitarismo. O filósofo via no sistema democrático que vigorava na Atenas de seu tempo uma estrutura que dava poder a pessoas despreparadas para governar. Quando Sócrates, que considerava "o mais sábio e o mais justo dos homens", foi condenado à morte sob acusação de corromper a juventude, Platão convenceu-se, de uma vez por todas, de que a democracia precisava ser substituída.

Para ele, o poder deveria ser exercido por uma espécie de aristocracia, mas não constituída pelos mais ricos ou por uma nobreza hereditária. Os governantes tinham de ser definidos pela sabedoria. Os reis deveriam ser filósofos e vice-versa. "Como pode uma sociedade ser salva, ou ser forte, se não tiver à frente seus homens mais sábios?", escreveu Platão.

Um império em decadência
Platão nasceu meses depois da morte de Péricles, o estadista mais identificado com a democracia de Atenas, e morreu dez anos antes da conquista do mundo grego por Felipe da Macedônia. Sua vida coincide em grande parte com a decadência do império ateniense. Platão construiu uma obra voltada para épocas anteriores. Por meio de seus escritos em forma de diálogos que as idéias de Sócrates puderam ser sistematizadas e divulgadas, uma vez que ele não deixou nenhum texto escrito. Nos diálogos, usualmente, Sócrates e um pensador sofista debatem um assunto até uma conclusão. Uma vez que Platão não se coloca como personagem, restou a seus intérpretes póstumos distinguir as idéias de Sócrates das do próprio Platão. A obra platônica foi sistematizada no início da era cristã. Os títulos mais célebres são O Banquete e A República.

O cristianismo na Idade Média se apropriou do pensamento platônico por se identificar, entre outras, com a idéia de que em todas as coisas há uma essência, que se encontra num plano supra-real.

Estudo permanente conduz à sabedoria
A educação, segundo a concepção platônica, visava a testar as aptidões dos alunos para que apenas os mais inclinados ao conhecimento recebessem a formação completa para ser governantes. Essa era a finalidade do sistema educacional planejado pelo filósofo, que pregava a renúncia do indivíduo a favor da comunidade. O processo era longo, porque Platão acreditava que o talento e o gênio só se revelam aos poucos.

A formação dos cidadãos começaria antes mesmo do nascimento, pelo planejamento eugênico da procriação. As crianças deveriam ser tiradas dos pais e enviadas para o campo, uma vez que Platão considerava corruptora a influência dos mais velhos. Até os 10 anos, a educação seria predominantemente física e constituída de brincadeiras e esporte. A idéia era criar uma reserva de saúde para toda a vida. Em seguida, começaria a etapa da educação musical (abrangendo música e poesia), para se aprender harmonia e ritmo, saberes que criariam uma propensão à justiça, e para dar forma atrativa a conteúdos de Matemática, História e Ciência. Depois dos 16 anos, à música se somariam os exercícios físicos, para equilibrar força muscular e aprimoramento do espírito.

Aos 20 anos, os jovens seriam submetidos a um teste para saber que carreira deveriam abraçar. Os aprovados receberiam, então, mais dez anos de instrução e treinamento para o corpo, a mente e o caráter. No teste que se seguiria, os reprovados se encaminhariam para a carreira militar e os aprovados para a filosofia — nesse caso, os objetivos dos estudos seriam pensar com clareza e governar com sabedoria. Aos 35 anos, terminaria a preparação dos reis- filósofos. Mas ainda estavam previstos 15 anos de vida em sociedade, testando os conhecimentos entre os homens comuns e trabalhando para se sustentar. Somente os que fossem bem-sucedidos se tornariam governantes ou "guardiães do Estado".

O aprendizado como reminiscência
Platão defendia a idéia de que a alma precede o corpo e que, antes de encarnar, tem acesso ao conhecimento. Dessa forma, todo aprendizado não passaria de reminiscência — um dos princípios centrais do pensamento do filósofo.

Com base nessa teoria, que não encontra eco na ciência contemporânea, Platão defendia uma idéia que, paradoxalmente, sustenta grande parte da pedagogia atual: não é possível ou desejável transmitir conhecimentos aos alunos, mas, antes, levá-los a procurar respostas, eles mesmos, a suas inquietações.

Por isso, o filósofo rejeitava métodos de ensino autoritários. Ele acreditava que se deveria deixar os estudantes, sobretudo as crianças, à vontade para que pudessem se desenvolver livremente. Nesse ponto, a pedagogia de Platão se aproxima de sua filosofia, em que a busca da verdade é mais importante do que dogmas incontestáveis. O processo dialético platônico — pelo qual, ao longo do debate de idéias, depuram-se o pensamento e os dilemas morais — também se relaciona com a procura de respostas durante o aprendizado. "Platão é do mais alto interesse para todos que compreendem a educação como uma exigência de que cada um, professor ou aluno, pense sobre o próprio pensar", diz o professor Sardi.

BIOGRAFIA

Platão nasceu por volta de 427 a.C. em uma família aristocrática de Atenas. Quando tinha cerca de 20 anos, aproximou-se de Sócrates, mas tudo indica que não foi seu discípulo. Era amigo do filósofo, por quem tinha grande admiração. Comoa maioria dos jovens de sua classe, quis entrar na política. Contudo a oligarquia e a democracia lhe desagradaram. Com a condenação de Sócrates à morte, Platão decidiu se afastar de Atenas e saiu de viagem pelo mundo. Numa de suas últimas paradas, esteve na Sicília, onde fez amizade com Dion, cunhado do rei de Siracusa, Dionísio I. De volta a Atenas, com cerca de 40 anos, Platão fundou a Academia, um instituto de educação e pesquisa filosófica e científica que rapidamente ganhou grande prestígio. Três décadas depois, o filósofo foi convidado por Dion a viajar a Siracusa para educar seu sobrinho Dionísio II, que se tornara imperador com a morte do pai. A missão foi frustrada por intrigas políticas que terminaram num golpe dado por Dion. Platão morreu por volta de 347 a.C. Já era um homem admirado em toda Atenas.

"A educação deve propiciar ao corpo e à alma toda a perfeição e a beleza que podem ter"
Para pensar
Platão acreditava que, por meio do conhecimento, seria possível controlar os instintos, a ganância e a violência. Hoje poucos concordam com isso; a causa principal foram as atrocidades cometidas pelos regimes totalitários do século 20, que prosperaram até em países cultos e desenvolvidos, como a Alemanha. Por outro lado, não há educação consistente sem valores éticos. Você já refletiu sobre essas questões? Até que ponto considera a educação um instrumento para a formação de homens sábios e virtuosos?

"Ao longo dos anos, os antigos encontraram uma boa receita para a educação: ginástica para o corpo e música para a alma"
Fonte: novaescola.abril.com.br

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